TRÉGUA DE NATAL

TRÉGUA DE NATAL

Na primeira grande guerra mundial, que ceifou a vida de aproximadamente 20 milhões de seres humanos, houve um momento em que a humanidade prevaleceu sobre a barbárie. Algo inusitado em meio a um conflito em que não havia nenhum respeito pelos direitos humanos; onde civis e militares eram bombardeados e, consequentemente, desfigurados indistintamente. Esse momento foi a trégua de natal.

No dia 25 de dezembro de 1914, nas imediações da cidade de Yprès, na Bélgica, havia uma distância curta entre as trincheiras inimigas, a ponto de os soldados conseguirem ouvir as falas dos inimigos. Durante esse dia, sem nenhuma ordem vinda de cima, da alta hierarquia de comando militar, os soldados começaram a andar desarmados fora da trincheira como se quisessem comemorar junto com seus inimigos. Começaram a se dirigir para as trincheiras inimigas oferecendo bebidas, charutos e a se cumprimentarem. O capitão Sir Edward Husle, do exército real britânico, fez o seguinte relato:

Às 8:30, eu vi quatro alemães desarmados deixarem a sua trincheira e se dirigirem para a nossa. Eu mandei dois dos meus homens se encontrarem com eles, também desarmados, com ordens para que eles não ultrapassassem a metade do caminho entre as trincheiras, que distavam então de 350 a 400 jardas nesse ponto. Eram três soldados rasos e um padioleiro e o porta-voz deles disse que queria desejar a nós um Feliz Natal e esperava que nós, tacitamente, mantivéssemos uma trégua. Ele disse que havia morado em Suffolk, onde tinha uma namorada e uma bicicleta a motor.

Todos sabem, que a guerra não acabou, tendo se estendido até 1918.Ou seja, aqueles soldados que se confraternizaram no Natal, possivelmente nos dias seguintes, guerrearam uns contra os outros.

O que isso pode, de alguma forma, ensinar para nós hoje? Em toda a minha história como crente, e isso faz um pouco mais de 40 anos, eu nunca vi um ambiente tão belicoso, sectarista, cheio de porfias, inimizades, ódios e paixões como tenho visto hoje. Tudo na igreja hoje é disputa política e ideológica e por qualquer coisa se discute e se ofende. Parece que estamos em trincheiras, de lados opostos, aguardando o “inimigo” levantar a cabeça para dar um tiro. As famílias se dividiram; filhos não falam com os pais, pais não falam com os filhos. O ar tem ficado irrespirável em certos ambientes familiares e eclesiásticos. É a terceira guerra mundial. Mas, como vimos na história pretérita, mesmo em meio a uma guerra sangrenta, podemos ter pelo menos um dia de trégua.

Sei que muitos de meus irmãos em Cristo torcem o nariz para o Natal atual e eu até concordo. Virou uma festa hedonista, consumista, onde Jesus nem de longe é lembrado. Mas, por outro lado, independentemente do que pensamos sobre a data, é a melhor oportunidade de rever nossos familiares. No Natal, reunimos a família, estamos com pessoas que há tempos não víamos, sentamos à mesa, comemos juntos e…conversamos. Essa última parte geralmente tem causado muitos problemas, principalmente pelos ódios e paixões acirrados, como já foi dito acima. Não seria, portanto, a hora de guardarmos nossas armas e darmos ao menos uma trégua, nem que seja por 1 dia? Poderíamos ouvir mais, falar menos e amar mais e esperar menos. Tentar olhar o outro como desejamos ser olhados, amar como desejamos ser amados.

O Natal, na prática cristã, é momento de comemorar o nascimento do Filho de Deus, vindo para salvar todos os que nEle creem. Um momento de gratidão a Deus e de lembrança dAquele que foi rejeitado já no ventre de sua mãe, não encontrando hospedagem digna para seu nascimento. Nasceu em uma estrebaria, na simplicidade e humildade que Ele sempre demonstrou. Essa simplicidade deve ser comemorada e vivida no Natal, quando descomplicamos o nosso próximo e passamos a olhar o melhor dele.

Enfim, meu singelo conselho: não discuta, se desarme e tente apenas curtir esse momento perto daqueles que você convive ou daqueles que você pouco vê. Relaxe um pouco. Como dizem os mais jovens, Descanse Militante!

Um feliz Natal para todos que tiveram a paciência de ler esse singelo texto!

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


Alexandre Gonçalves é pastor da Igreja de Deus  e colunista do The Intercept Brasil, é um dos líderes do grupo Cristãos Trabalhistas, ligado ao PDT. Foi ordenado desde 1994, tendo sido antes missionário atuando em Cuba com implantação de grupos caseiros e em comunidades carentes do Rio de Janeiro. Bacharel em teologia e direito e licenciado em letras, mas sua paixão é a teologia prática. Especializado em implantação de igrejas pelo SEMISUD em Quito, aprendeu os princípios do que chama de “teologia do pobre”. Além de pastor, é servidor público e diretor parlamentar do Sindicato dos Policiais e Servidores da Polícia Rodoviária Federal em Santa Catarina (SINPRF-SC). Siga-o pelo site Teologia do Pobre, pelo TwitterYouTube e/ou pelo Instagram.