Um pastor procura pontes entre a esquerda e evangélicos conservadores

Um pastor procura pontes entre a esquerda e evangélicos conservadores

Maior desafio é criar canais de aproximação fora do período eleitoral

Jardim Gramacho é o local que abrigou o maior lixão da América Latina por 34 anos. Até seu encerramento em 2012, cerca de oitocentos caminhões de lixo despejavam diariamente suas cargas ali. É lá que Vladimir de Souza conduz um experimento: ele quer mostrar como a esquerda pode se conectar com evangélicos pobres e conservadores no campo dos costumes, que hoje se identificam ideologicamente com a direita.

Vladimir é pedagogo e pastor de formação batista. Ele avalia que "a maior dificuldade da esquerda é abrir mão de um olhar eleitoreiro e criar canais de aproximação intencional com evangélicos fora dos períodos eleitorais." Porque "aparecer na véspera da eleição é um gesto oportunista e as pessoas percebem isso."

Vladimir conta que recebeu pedidos para levar um grupo de pastores do Jardim Gramacho para um encontro com Lula durante a campanha de 2022. "Há uma resistência terrível com o PT nesse campo e eu estou fora dessas atividades em véspera de eleição," ele conta.

Evangélicos ligados ao PT organizaram um evento no ano passado para demonstrar apoio a Lula. O pastor Sérgio Duzilek foi forçado a renunciar ao posto de presidente da Convenção Batista Carioca por participar do encontro. “Ele foi tratado de uma forma desumana considerando o legado que ele e a familia dele têm de serviço à denominação,” afirma Vladimir, "e eu não quero perder conexão com os pastores do Jardim Gramacho."

A fala do rapper Mano Brown no último comício do PT em 2018 continua ecoando nos ouvidos de Vladimir. "Se não conseguir falar a língua do povo, vai perder mesmo," profetizou Brown. "Falar bem do PT para torcida do PT é fácil. Tem uma multidão que precisa ser conquistada ou vamos cair no precipício."

Jardim Gramacho, que já foi chamado de "cidade do lixo", está na borda desse precipício. O fechamento do lixão deveria ter melhorado a vida dos moradores, mas, na prática, piorou. Eles seguem se ter acesso a água e saneamento, perderam sua fonte de renda como catadores e se tornaram mais invisíveis porque, sem as imagens de seres humanos disputando restos em um mar de sacolas plásticas, as câmeras de TV perderam o interesse pelo local, que está na Baia de Guanabara, a 30 quilômetros da praia de Copacabana.

A base de atuação de Vladimir é a Igreja Cristã Redenção Baixada, uma comunidade inclusiva, ou seja, que acolhe pessoas LGBT. Mas quando ele está entre pastores de Jardim Gramacho, não debate sobre temas da pauta de costumes nem sobre política. "Lá nós oferecemos cuidado para garantir o mínimo de dignidade para os moradores,” ele explica. “E quando dialogamos nesse canal do acolhimento, a lógica da polarização perde a força."

Vladimir foi uma das lideranças que o Instituto de Estudos da Religião (ISER) identificou a partir de uma iniciativa chamada "Fé que vem das bases". Hoje é o mesmo ISER que hoje provê os recursos para Vladimir expandir sua atuação em Jardim Gramacho.

Vladimir atua junto a pastores de Jardim Gramacho em frentes como segurança alimentar, socorro a famílias vítimas de violência e acesso a moradias. Na prática, a iniciativa oferece desde cadeira de rodas, dinheiro para o morador que precisa enterrar um familiar, conhecimento técnico para melhorar o desempenho de um empreendimento, até ajuda para líderes locais que desejam contatar políticos do município.

É uma estratégia lúcida e coerente, mas projetos como esse precisam acontecer em escala nacional para atenuar o chamado “antipetismo pentecostal”. Para isso acontecer, há algumas perguntas que pedem respostas. Por exemplo: como medir o impacto dessas iniciativas em termos da mudança da rejeição a candidatos da esquerda? Existem muitos outros pastores preparados e dispostos a sair do conforto de seus campos de atuação para abraçar uma atividade missionária desse tipo? E ainda: será que as lideranças progressistas, com valores cosmopolitas, conseguirão ver além das críticas à religião, quem são as pessoas que estão nas igrejas evangélicas das periferias?