Divórcio e Fé: Enfrentando o Desafio do Julgamento na Comunidade Religiosa

Divórcio e Fé: Enfrentando o Desafio do Julgamento na Comunidade Religiosa

Seria um domingo comum se não fosse um dos mais difíceis da sua vida. Enquanto se preparava para ir à igreja, ele pensava nos olhares e nos possíveis comentários. Como iriam trata-lo depois do que havia feito? Quais daquelas pessoas que antes se diziam amigas teriam uma palavra de compaixão e respeito? Já não se sentia confortável em sentar-se no mesmo lugar para não ter que responder perguntas incômodas. Sabia que talvez poucas pessoas na igreja tentassem compreender as razões e motivações para uma decisão assim. Afinal de contas, enquanto há alguém para julgar (seja o irmão ao lado, seja o mundo lá fora), a pessoa dentro da igreja pode continuar lidando com seus próprios pecados de uma maneira menos direta. Mais que o incômodo, estava com medo. Mesmo esse sofrimento não o eximia do julgamento.

Havia sido uma semana de uma carga emocional imensa depois que ele havia decidido sair de casa deixando esposa e filha. Uma das decisões mais difíceis da sua vida. Não faria isso se não estivesse extremamente incomodado com a situação. A convivência estava pesada. Falta de carinho, falta de respostas para perguntas que foram se acumulando. Havia se comprometido com um sustento mensal razoável. Além disso, continuaria arcando com as despesas da casa.

Em uma conversa com os pastores e um amigo, ele ouviu que havia abandonado a família. Para algumas igrejas, o abandono do lar é uma das justificativas legítimas para o divórcio. Os pastores perguntaram: mas porque você fez isso? O que lhe veio à mente foi uma passagem de João 5, onde é relatada a ida de Jesus a um tanque chamado Betesda. Ao redor dele ficavam pessoas doentes e inválidas em busca de cura: cegos, mancos, paralíticos. De tempos em tempos passava um anjo e agitava as águas desse tanque. A primeira pessoa que chegasse a ele recebia o milagre. Ao abordar um paralítico, Jesus escutou o seguinte: há 38 anos estou aqui e não consigo chegar ao tanque primeiro. Jesus então o curou e ordenou que pegasse sua maca e saísse dali.

Esse milagre já seria suficiente para que qualquer um se alegrasse com aquela pessoa. Anos e anos de sofrimento e limitações finalmente chegaram ao fim. Contudo, não foi esse o sentimento daqueles zelosos dos preceitos bíblicos daquele tempo. Muitos queriam matar Jesus por ele ter curado no sábado e também por ter feito alguém trabalhar ao carregar sua maca. Não importava o milagre, não importava a redenção, menos ainda a vida que transbordava nele. O mais importante eram as regras, o respeito à palavra de Deus.

Hoje em dia, algumas denominações não aceitam o divórcio. Quando isso acontece, a pessoa é excluída como membro da igreja. Ele já presenciara isso. Mesmo sabendo desse possível julgamento, seu objetivo foi deixar o anjo agitar as águas e abrir um novo tempo. Tempo de reavaliação, tempo de atitudes, tempo de milagre. Ele sabe que será necessário, de ambos, se mover em direção ao tanque, buscar as águas. Sua esperança é que esse movimento aconteça. Que esse tempo seja de restauração e dignidade da Imago Dei.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


João Barros é evangélico há mais de 20 anos. Doutor em Filosofia e doutor em Ciências Sociais (UBA-AR), atualmente leciona no Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPGICAL) e no curso de Ciência Política e Sociologia da UNILA. É autor de Poder pastoral e cuidado de si em Foucault (2020) e Biopolítica no Brasil – uma ontologia do presente (2022). Também coordena o projeto Evangélicos e política na América Latina. Contato: joao[ponto]barros@unila[ponto]edu[ponto]br .