Ao buscar o voto feminino, Kamala Harris desagradou os evangélicos
As pautas de costumes, especialmente o identitarismo, não foram temas centrais na eleição presidencial deste ano nos EUA. Tanto que houve menos notícias sobre o envolvimento de cristãos conservadores nas campanhas. No entanto, até que ponto a defesa do aborto pela candidatura democrata produziu efeitos menos visíveis, como a redução do interesse de evangélicos pró-democratas em apoiar Kamala ou a motivação para que aqueles que não simpatizam com Trump passassem a apoiá-lo?
Em primeiro lugar, é importante esclarecer que explicar o “fenômeno Trump” representa um grande desafio sociológico, pois envolve inúmeras variáveis complexas. No caso específico de sua reeleição, ele conquistou votos em todos os segmentos da sociedade norte-americana: homens e mulheres, brancos, negros e latinos, com destaque para o forte apoio dos cristãos evangélicos.
No que diz respeito ao papel dos evangélicos e à questão do aborto na eleição de Trump em 2024, vale refletir sobre o seguinte: os evangélicos norte-americanos, um dos grupos mais influentes nos EUA, com forte mobilização e tendência de voto em bloco, possuem uma longa tradição de apoio político e econômico ao Partido Republicano.
Sendo geralmente mais conservadores, a questão do aborto assume um papel crucial nessa comunidade. Defensores de valores cristãos conservadores — como o modelo de família heterossexual e a valorização da vida — esses eleitores se opõem firmemente ao aborto, defendido pelos democratas e pela candidata derrotada Kamala Harris.
A aliança entre os evangélicos e o movimento pró-vida é antiga, remontando à década de 1970. Por outro lado, com uma postura antiaborto e pró-vida, em um discurso pragmático e estratégico, Trump conseguiu capitalizar e consolidar o apoio de líderes evangélicos influentes, como Franklin Graham III e Jerry Falwell Jr. (da Liberty University), o que contribuiu para sua expressiva reeleição.
Vale destacar que, segundo dados estatísticos, as principais preocupações dos norte-americanos são, em ordem de importância: inflação, imigração, economia/desemprego e aborto.
Outro dado relevante sobre o voto por religião: entre os evangélicos, 62% votaram em Trump, enquanto apenas 37% optaram por Kamala Harris.
Donizete Rodrigues possui Doutorado em Antropologia pela Universidade de Coimbra (Portugal), é Professor do PPG-Ciências da Religião/UEPA e colaborador na Columbia University - Seminars on Brazil and Studies in Religion.