Polarização política reproduz lógica da intolerância religiosa

Atualmente, muitos jornais e comentaristas vem abordando o fenômeno dos crimes de ódio e incentivo à violência observados nas redes sociais. Na última semana isso se deu em resposta ao vídeo, que circulou pelo twitter, no qual o pastor Tupirani da Hora Lopes, da Igreja Geração Jesus Cristo, aparece incitando ódio contra seus opositores. Na verdade, já faz algum tempo, esse fenômeno não se restringe ao mundo virtual. Alguns episódios ocorridos recentemente ainda são considerados fatos isolados por muitos, contudo, mesmo se for esse o caso, eles parecem indicar qual será o clima dominante das próximas eleições.

Algo que não pode ser negligenciado é o fato de que a atual intensificação dos crimes de ódio ocorre no momento em que o Brasil assiste a um avanço inédito do porte de armas, com milhares e milhares de pessoas se armando, grande parte inspirada no exemplo do próprio presidente da República. É sintomática uma de suas declarações recentes, em que ele afirma que Jesus Cristo só não comprou uma pistola porque em seu tempo elas não existiam. Essa fala e tantas outras intervenções de Bolsonaro a favor do armamento da população miram o fortalecimento de sua base eleitoral. A incitação à violência vinculada à pauta armamentista tem como objetivo, portanto, o exito eleitoral de Bolsonaro.

Por esse motivo, acredito que estamos vivendo agora as consequências da escolha feita em 2018. A violência estimulada por práticas de intolerância religiosa e por práticas de intolerância política não é um fenômeno que surgiu agora. A esse respeito, é válido recordarmos aqui aqueles casos verificados em algumas favelas do Rio de Janeiro, de traficantes que se converteram à fé evangélica e que empregaram seu poder para perseguir os moradores pertencentes a outras religiões. Praticantes da umbanda e do candomblé sofreram ameaças físicas, tendo muitos sido expulsos de seus lares pelo crime organizado. Outro exemplo de violência estimulada por algumas lideranças religiosas pode ser identificado nas ações de destruição de imagens de santos católicos realizadas por fiéis evangélicos observadas nos últimos anos. Tanto num caso como no outro, as práticas se nutrem do elogio da violência e da agressividade que se nota em algumas denominações evangélicas. Nesses casos, o ódio é justificado pela defesa da fé.

Episódios recentes, como o assassinato de Marcelo Arruda no Paraná, nos leva a refletir sobre a indistinção entre violência justificada pela fé e violência de motivação política. Os casos de destruição de símbolos católicos aludidos acima revelam um ódio contra os ídolos sagrados. Quando observamos a maneira pela qual a atual polarização política foi se configurando encontramos um tipo de ódio análogo, pois tanto o lulismo quanto o bolsonarismo pressupõem um tipo de idolatria política. O ex-presidente e o atual encarnam para grande parte de seus eleitores dois tipos de ídolos. No lugar do debate dos projetos para a educação, saúde, segurança pública, saneamento básico e cultura, o que se impõe é uma disputa entre dois ídolos. Por isso a ideia de um messianismo político é bastante adequada para resumirmos esse cenário.

Infelizmente, a igreja ao longo desses anos contribuiu de seu modo para que chegássemos ao atual cenário. Muitas das denominações evangélicas vem enaltecendo a imagem do líder perfeito, sem defeitos, visto como o legítimo portador da palavra de Deus. Esse líder é alçado assim a uma posição de supremo poder, o que favorece o encantamento que muitas pessoas fragilizadas, sem referências, sentem por eles. Um tipo semelhante de conduta, de enaltecimento e de adoração do líder, alcançou, então, o domínio da política. Esta passou a ser vivenciada pelos eleitores como se fosse matéria de fé, e não como política de fato.