Violência e eliminação do pecador: entendendo o ethos punitivista evangélico

Violência e eliminação do pecador: entendendo o ethos punitivista evangélico

É muito conhecida a história do profeta Jonas. Enviado por Deus para pregar a um povo pagão: ele não só se recusou a ir como fugiu para um lugar distante. Encurtando a história, conta o texto bíblico que Deus mandou um peixe para engolí-lo e levá-lo de volta a seu destino inicial. Obedeceu a Deus na marra, pregou e muitos se converteram. Contudo, ele estava indignado com Deus, pois preferia que aquelas pessoas recebessem a ira divina e não a salvação. Queria que muitas delas sofressem no inferno, ao invés de serem consideradas filhas de Deus.

Essa semana tivemos uma votação importante no congresso. Estava em pauta a prisão de um deputado preso e acusado de envolvimento em um homicídio. 64 deputados da Frente Parlamentar Evangélica votaram pela soltura do acusado, desconsiderando os indícios/provas colhidos durante uma longa investigação.

Há uma boa literatura sobre a relação entre evangélicos e violência. Um dos elos dessa relação está na proximidade entre ethos pentecostal e ethos da guerra. A gramática da guerra espiritual, tão comum entre os pentecostais, faz muito sentido para os moradores das periferias das grandes cidades. Talvez seja possível estender esse argumento um pouco do ponto de vista histórico, considerando que somos um país de passado escravocrata. Antes eram os demônios das religiões de matriz afro aqueles que deveriam ser dominados e expulsos dessa terra e dos corpos que nela estavam. Essa dinâmica ainda perdura em muitas igrejas.

Parece que essa importância dada ao domínio e eliminação do outro permeia boa parte do nosso tecido social. Será que teologia da guerra espiritual apenas dá um verniz religioso para algo que já estava aí antes? Seria uma das explicações para compreender por que, em lugar de conceber uma graça comum distribuída aos não crentes, muitos evangélicos se arvoram à posição de guardiães e defensores da obra divina. Para isso, vale até livrar aqueles que matam os ‘inimigos de Deus’.

Para alguns religiosos, matar uma pessoa da comunidade LGBT+ é defender o reino de Deus dos seus inimigos mais atuais. Se a pessoa for tachada de comunista então, é um serviço prestado à sociedade. Se essa pessoa era defensora dos direitos dos pobres e injustiçados (Pv 31.8-9), tal como Deus declara que é, pouco importa. Como disse um pastor há pouco tempo: ‘tá com você agora!’.

*Os textos publicados pelo Observatório Evangélico trazem a opinião e análise dos autores e não refletem, necessariamente, a visão dos demais curadores ou da equipe do site.


João Barros é evangélico há mais de 20 anos. Doutor em Filosofia e doutor em Ciências Sociais (UBA-AR), atualmente leciona no Programa de Pós-graduação em Integração Contemporânea da América Latina (PPGICAL) e no curso de Ciência Política e Sociologia da UNILA. É autor de Poder pastoral e cuidado de si em Foucault (2020) e Biopolítica no Brasil – uma ontologia do presente (2022). Também coordena o projeto Evangélicos e política na América Latina. Contato: joao.barros@unila.edu.br .